segunda-feira, 23 de março de 2009

O poder: natureza, tipologia, topologia

Por: Maria Odete Madeira

A partir de Foucault, podemos abordar o poder como um feixe circulante, em exercício organizado de relações em rede, no qual estão dobradas, ou implicadas, múltiplas posições, constituídas como pontos de aplicação dinâmicos e reticulares que transitam e transumam por todo o corpo social.

Enquanto realidade actuante, o poder constitui uma externalização das forças, relacionais e interactivas nele implicadas, naquilo que podemos denominar o seu objecto, ou ponto de aplicação, no qual produz, trajectivamente, os seus efeitos reais, caracterizados por uma não-localidade, constituída por cruzamentos de acções e reacções múltiplas que têm a sua própria história, o seu próprio trajecto e as suas técnica e táctica.

Esta não-localidade rejeita a possibilidade de subsumir, num centro único, as múltiplas e heterogéneas linhas relacionais que constituem o feixe trajectivo que resulta da movimentação heterónima, permanente, instável e local, estrategicamente posicionada em rede, dos pontos comunicantes que configuram o poder.

O poder, conforme Foucault, não passa de um efeito de conjunto, traçado a partir de pontos móveis desigualmente trajectados, nos quais se apoia, fixando-os.

O poder não é uma instituição e não é uma estrutura, não é um certo poder de que alguns seriam dotados – é, apenas, um nome que se atribui a uma situação estratégica complexa numa determinada sociedade e que não é pensável em termos de um qualquer protótipo replicador e ordenador que exista e subsista em si e por si mesmo.

O global é um efeito do local. Mudando a configuração do local, igualmente, muda, também, a configuração do global, o global é sempre configurado interactivamente, a partir de múltiplos pontos locais espalhados pela rede que desempenham nas relações de poder, o papel de adversário, de alvo, de apoio, de pretexto para uma intervenção.

Não há, relativamente ao poder, e de acordo com Foucault, lugar de grande recusa – alma da revolta, centro de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário, mas, sim, várias resistências locais possíveis, que podem configurar topologias irreconciliáveis diversas, divergentes, discordantes que se deslocam como múltiplos pontos de acção/reacção que funcionam como marcadores binários de irredutibilidade: o frente a frente irredutível que introduz clivagens, quebra unidades e suscita adesões paradigmáticas.