terça-feira, 24 de março de 2009

acerca do sentido da História em Paulo Orósio

Por: Maria Odete Madeira

A experiência moral cristã incorpora um sentido inevitável de cegueira humana (Collingwood, A Ideia de História) inerente a toda a acção, esta ideia de cegueira traduz uma incapacidade humana constitutiva, dramaticamente vivida na interioridade da fé cristã, modeladora dos acontecimentos e da luta tensional, operada no seio dos seguidores da mesma fé, os quais seguem uma marcha, um percurso que terminará num juízo final. O pensamento do historiador cristão não se inscreve nos ritmos naturais e cíclicos do tempo, mas num ritmo e num projecto direccionado para um fim irreversível, pensado na interioridade subjectiva da fé.

O Tempo, no qual opera uma eficácia de declínio, uma emergência de catástrofe, é percebido com um sentido ontológico e denso de inquietação, polarizada numa dinâmica operativa de bem e de mal, ocorrido numa contingência perturbadora da radical vulnerabilidade de todos os entes, que, enquanto tais, existem aí no mundo.

Um sentido da existência de um em si universal, acoplado a um sentimento centrado na existência de uma ideia de um Deus omnipotente e omnisciente, organiza todas as acções dos homens na História, as quais, acreditam os seguidores da fé cristã, não foram planeadas pelos seus intelectos, mas, sim, pelo intelecto divino, projectado a partir de uma ideia de Deus, comummente partilhada.

Deste modo, é assumido que as forças que actuam na História não têm origem na vontade dos homens, mas, sim, na vontade de Deus. A sabedoria, incorporada nas suas acções, não lhes pertence, não pertence ao seu livre arbítrio. Para os cristãos, esta é a sabedoria de Deus, por cuja Graça os desejos dos homens são dirigidos para fins considerados dignos, a partir de uma ideia de dignidade preestabelecida.

Os povos e as nações são assumidos como uma criação divina e aquilo que Deus cria pode ser por Deus modificado e reorientado para novos fins, através da intervenção da sua Graça.

Assim, numa linha cristã, o processo histórico não é a execução das intenções humanas, mas dos desígnios de Deus, os quais são um objectivo que os homens devem incorporar nas suas vontades. Estes devem agir para um fim, a saber: o cumprimento da vontade de Deus.

Há um tempo próprio no pensamento histórico cristão que se relaciona com o tempo e a sucessão dos acontecimentos e, assim, tempo cronológico. Os acontecimentos duram, apenas, o tempo necessário ao cumprimento dos desígnios de Deus, ocorrendo, o processo histórico, no seu movimento de transformação, segundo um movimento radical de vida e de morte.

No pensamento histórico de Paulo Orósio (História Contra os Pagãos), há um sentido profundo desta dinâmica, pensada a partir da queda do homem e este sentido percebemo-lo como um operador mental, capaz de formar sentimentos conscientes de culpa universal.

De acordo com os dogmas cristãos, todos somos culpados e responsáveis por essa queda, da qual, apenas, nos podemos libertar pela Graça. A comunidade humana é, de acordo com o pensamento de Orósio, uma comunidade que precisa de ser educada, que precisa de se aproximar de um universal de perfeição, aberto a todas as diversidades discursivas, a todos os credos.

A esperança é marcada por um sentimento de presença: a Graça que opera na História, como um tempo oportuno, um Kairos divino.

Orósio releva o sentido histórico cristão de providência que se inscreve nos sentimentos dos homens. Cada momento da História é portador de uma intenção, de um desígnio que deve ser percebido e interpretado à luz do intelecto.

Para os cristãos, o grande acontecimento da história dos homens foi o nascimento de Cristo, os acontecimentos que lhe foram anteriores prepararam e culminaram na sua vinda, com Cristo nasceu uma nova era na história da humanidade, uma era de causalidade universal, destinada a operar nas mentes e nas vidas dos homens.

De acordo com o pensamento cristão, Deus queria revelar-se a todos, por isso, tornou possível a concentração do poder num só homem e numa só cidade, a saber: Roma. Era, de acordo com Orósio, preciso que todos os homens se reunissem à volta das mesmas leis, que fossem iluminados pela mesma fé num mesmo Deus, aquele que, de acordo com o mesmo pensamento, verdadeiramente os criou e, perante o qual, todos eram iguais na sua humanidade.

Cristo foi, para os seguidores da fé cristã, a presença do infinito no finito, a presença efectiva da unidade na diversidade. A partir do nascimento de Cristo, uma ideia de igualdade na diversidade e na diferença tomou forma. Todos os homens puderam pensar-se como a diversidade e a diferença capaz de se juntar numa mesma ideia de unidade, sem nela ser subsumida, a saber: numa ideia de comunidade humana efectiva, partilhando dos mesmos sentimentos morais e dos mesmos sentimentos de fé.